Como arranjar uma ilha
performance
(2022)
PT
A performance "Como Arranjar uma Ilha" apresenta ao vivo passos para um arranjo sonoro e material de uma ilha, situação hipotética que se apóia no real desaparecimento da ilha fantasma Sandy, retirada dos mapas oficiais em 2013. Para além de uma proposição experimental sobre o poder do som como agente de deslocamento e composição, a performance também convida o público a imaginar percursos por onde forças invisíveis atuam no mundo e na sua recriação, enquanto efeitos mas também recursos para enfrentar um possível fim daquilo que conhecemos e chamamos Terra. Com participação de Marcelo B. Conter e Mário Arruda.
EN
The performance "How to Arrange an Island" presents live steps for a sound and material arrangement of an island, a hypothetical situation based on the real disappearance of the ghost island Sandy, removed from official maps in 2013. In addition to an experimental proposition about the power of sound as an agent of displacement and composition, the performance also invites the audience to imagine paths through which invisible forces act in the world and in its re-creation, as effects but also resources for facing a possible end to what we know and call Earth.
With the participation of Marcelo B. Conter and Mario Arruda.
Filmed and edited by Rebeca Hertzriken
at the Tropigalpão (RJ)
Afinal, o que é isso que nomeamos ilha? A ínsula, um ipuã: a extensão de terra cercada por água, o pico de um vulcão submarino, um ponto. Também espaço de fronteiras móveis, espaço do desconhecido, espaço do próprio imaginário, onde tudo se funda, tudo se atualiza. Estão as ilhas da cabeça de Morel, onde tudo é simulacro; estão as ilhas partidas de um cérebro, lugar-pensamento onde a personagem de Daniela Tarazona decide ir para morrer; estão as ilhas flutuantes do Lago Titicaca que resguardam segredos da altitude e também os matupás no Rio Negro, acúmulos de vegetação e vida que assombram os ribeirinhos. E está Ilha Sandy, ou Ilha Arenosa, que desaparece, como um grande bloco de areia que submerge, e que é então excluído de todos os mapas, e não se sabe dizer porquê e muito menos quando. As notícias sobre esta "ilha invisível", como citada nos jornais australianos após a constatação por pesquisadores da Universidade de Sidney da sua inexistência, ainda que figurando em variados mapas de navegação, nos convida a especular sobre sua composição a partir do seu desaparecimento. Seria um primeiro alerta da gradual e alarmante subida dos níveis do mar? Ou ainda, seria este um território agrupado por forças outras, invisíveis, vibráteis, que lançaram ao mundo, ou pelo menos por um período de tempo, a visão sobre outros tipos de terra, outros tipos de território? Afirmamos, então, lidar com o resto invisível de uma geologia: o que vemos agora são apenas os pixels pretos de sua sombra projetada nos satélites do Google Maps.
"É só fantasia... " … "Se fosse um navio, ninguém saberia?" … "Esta ilha foi apenas um erro. É possível que o que o navio baleeiro viu em 1876 tenha sido uma jangada flutuante de pedra – uma “jangada de pedra-pomes”, porque houve uma erupção vulcânica. Corrija-me se eu estiver errado." … "O que é essa mancha escura? Estou curioso sobre isso. Alguém viu?" … "É uma ilha real ou falsa, diga-me a verdade?" … "A ilha realmente existe?" … "Não existe nenhum lugar como este, mas os mapas do Google mostraram isso.... pode ser um lugar misterioso...." … "Esta é uma verdadeira ilha! Esta não é a ilha (ou não ilha) que você está pensando que está localizada em 19,22°S 159,93°E e foi removida há um tempo atrás! … "Por que a ilha está apagada?' … "Eu não sei, provavelmente algo estranho…" [perguntas e comentários de internautas na localização de Sandy Island no Google Earth].
É esta fantasmagoria, esta especulação, que acompanhamos junto à narração da performance. O público é implicado na exploração. E no passo a passo. Como compor uma ilha? Se há sombra é porque algo de corpo ainda resta, mesmo que invisível, mesmo que ainda só força, só vibração, só, som. A habilidade de ver, para este encaminhamento do imaginário, é superestimada; nos esforçamos para não ver e sim ouver: perceber as camadas sonoras como se fossem linhas da paisagem, as frequências latentes criando um corpo espectral de ilha, uma velha-nova terra que agora habita as antigas coordenadas de Sandy. Então a narração que encaminha o público nesta aventura imaginária, que acontece não só dentro do espaço virtual da cabeça, mas também no abrir dos olhos, que ao final do texto visualizam uma ilha fantasma surgir e desaparecer sob a placa que vibra as frequências sonoras moduladas.
A performance "Como arranjar uma ilha" foi dividida em três atos: arranjo, interpretação, e relatório. Os pesquisadores e musicistas Marcelo B. Conter e Mário Arruda foram convidados enquanto intérpretes do mapa-partitura de desaparecimento, para criar junto à narração uma profusão de estímulos sonoros (cordas, vozes, sinths), um corpo "musical" que ressoaria as linhas da ilha fantasma. O mapa-partitura foi composto a partir da montagem das imagens de satélite da Ilha Sandy em diferentes anos, no registro de seu desaparecimento até 2013. Os limites da sua geografia, dispostos temporalmente, foram sobrepostos por uma pauta musical translúcida, que propunha linhas melodias a serem interpretadas. Durante a interpretação, o público pôde assistir as modulações da ilha ao vivo, os grão de areia que dançavam, se acumulavam e desestruturavam, à medida que as forças invisíveis da voz e do vento incidiam sobre seus limites geográficos. Neste sentido, a performance incita o público a uma mudança perceptiva, bem como dos seus pré-conhecimentos acerca da ideia do que é uma ilha e como esta se forma.
Enquanto um desdobramento do trabalho Ilha Sonora (2019-2023), a performance especula, de certa maneira, a formação de territórios, a formação de mundos, tendo o som – as vibrações em suas distintas formas e potências – como principal agente. Interessa, assim, a desestruturação do conhecimento no seu caráter determinante, histórico e dual: ao observar uma ilha sendo arranjada ao vivo – ao ver a vibração de um alto-falante acumular areias e inventar montes, picos, agrupar as partículas em formas conhecidas àquilo que chamamos ilha – esquecemos por um instante de todo seu percurso morfológico, das eras que se passaram, e podemos retornar ao início de nosso próprio pensamento, àquele momento quando éramos criança e pouco sabíamos, mas muito experimentamos. Este instante, do desconhecimento, do puro vibracional criativo, é o que interessa enquanto experiência estética desta performance. Aqui pouco importa a precisão dos experimentos de ressonância e as figuras de Chladni; parto destas práticas científicas como meio a visualizar a composição/decomposição de um território a partir do som, para então poder falar desta ilha, para então poder vê-la mais uma vez emergindo através do tempo, e dessa vez, diante de nós. Afinal, quem decide quando uma ilha aparece ou desaparece no mapa?
After all, what is this thing we call an island? The insula, an ipuã: the expanse of land surrounded by water, the peak of an underwater volcano, a point. It's also a space of shifting borders, a space of the unknown, a space of the imaginary itself, where everything is founded, everything is updated. There are the islands of Morel's head, where everything is a simulacrum; there are the broken islands of a brain, a place of thought where Daniela Tarazona's character decides to go to die; there are the floating islands of Lake Titicaca that hold secrets of altitude and also the matupás in the Rio Negro, accumulations of vegetation and life that haunt the riverside dwellers. And then there's Sandy Island, which disappears like a large block of sand that submerges and is then excluded from all maps, and there's no telling why, let alone when. The news about this "invisible island", as quoted in Australian newspapers after researchers from the University of Sydney discovered that it didn't exist, even though it appears on various navigation maps, invites us to speculate about its composition after its disappearance. Was it the first warning of the gradual and alarming rise in sea levels? Or could this be a territory grouped together by other, invisible, vibrating forces that have given the world, or at least for a period of time, a glimpse of other types of land, other types of territory? We then claim to be dealing with the invisible remains of a geology: what we see now are just the black pixels of its shadow projected on Google Maps satellites.
"It's just fantasy... " ... "If it was a ship, wouldn't anyone know?" ... "This island was just a mistake. It's possible that what the whaling ship saw in 1876 was a floating stone raft - a 'pumice raft', because there was a volcanic eruption. Correct me if I'm wrong." ... "What's that dark spot? I'm curious about it. Has anyone seen it?" ... "Is it a real island or a fake one, tell me the truth?" ... "Does the island really exist?" ... "There's no place like this, but Google maps have shown it.... could be a mysterious place...." ... "This is a real island! This isn't the island (or non-island) you're thinking of that's located at 19.22°S 159.93°E and was removed a while ago! ... "Why is the island erased?" ... "I don't know, probably something strange..." [questions and comments from internet users on the location of Sandy Island on Google Earth].
It is this phantasmagoria, this speculation, that we follow along with the narration of the performance. The audience is involved in the exploration. And step by step. How do you compose an island? If there's a shadow, it's because something of the body still remains, even if it's invisible, even if it's only force, only vibration, only sound. The ability to see, for this imaginary process, is overestimated; we strive not to see but to hear: to perceive the layers of sound as if they were lines in the landscape, the latent frequencies creating a spectral body of an island, an old-new land that now inhabits Sandy's old coordinates. Then the narration takes the audience on this imaginary adventure, which takes place not only within the virtual space of the head, but also in the opening of the eyes, which at the end of the text visualize a phantom island appearing and disappearing under the plate that vibrates the modulated sound frequencies.
The performance "How to arrange an island" was divided into three acts: arrangement, interpretation and report. Researchers and musicians Marcelo B. Conter and Mário Arruda were invited as interpreters of the disappearing map-score, to create, together with the narration, a profusion of sound stimuli (strings, voices, synths), a "musical" body that would resonate the lines of the ghost island. The score-map was composed from the montage of satellite images of Sandy Island in different years, recording its disappearance until 2013. The boundaries of its geography, arranged temporally, were superimposed by a translucent musical score, which proposed melody lines to be interpreted. During the performance, the audience was able to watch the modulations of the island live, the grains of sand that danced, accumulated and de-structured as the invisible forces of the voice and the wind impacted on its geographical boundaries. In this sense, the performance encourages the audience to change their perceptions and their preconceptions of what an island is and how it is formed.
As an offshoot of the work Sound Island (2019-2023), the performance speculates, in a way, on the formation of territories, the formation of worlds, with sound - vibrations in their different forms and powers - as the main agent. What interests us, then, is the dismantling of knowledge in its determinant, historical and dual character: when we watch an island being arranged live - when we see the vibration of a loudspeaker accumulating sand and inventing hills, peaks, grouping the particles into familiar shapes for what we call an island - we forget for a moment its entire morphological path, the ages that have passed, and we can return to the beginning of our own thinking, to that moment when we were children and knew little, but experienced much. This instant of ignorance, of pure creative vibrations, is what matters as the aesthetic experience of this performance. The precision of the resonance experiments and Chladni's figures are of little importance here; I'm starting from these scientific practices as a means of visualizing the composition/decomposition of a territory based on sound, so that I can then talk about this island, so that I can once again see it emerging through time, and this time, in front of us. After all, who decides when an island appears or disappears on the map?