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Ilha Sonora
Sound Island

2019

[ Os geógrafos dizem que há dois tipos de ilhas. Eis uma informação preciosa para a imaginação, porque ela aí encontra uma confirmação daquilo que, por outro lado, já sabia. Não é o único caso em que a ciência torna a mitologia mais material e em que a mitologia torna a ciência mais animada. As ilhas continentais são ilhas acidentais, ilhas derivadas: estão separadas de um continente, nasceram de uma desarticulação, de uma erosão, de uma fratura, sobrevivem pela absorção daquilo que as retinha. As ilhas oceânicas são ilhas originárias, essenciais: ora são constituídas de corais, apresentando-nos um verdadeiro organismo, ora surgem de erupções submarinas, trazendo ao ar livre um movimento vindo de baixo; algumas emergem lentamente, outras também desaparecem e retornam sem que haja tempo para anexa-las.

(Trecho de “Causas e razões das ilhas desertas” de Gilles Deleuze, 2004)

A formação das ilhas, ora continentais ou oceânicas, geralmente nos remete à um mistério oculto da natureza, invisível aos olhos, que sob as profundezas do substrato terrestre, em camadas latentes de matéria em movimento, organiza-se de forma sintomática, como um texto que, apesar da sua imaginável configuração espacial, está sempre em vias de se escrever – e se subscrever diferentemente. Todavia, sabemos que a Terra está sob constante estímulo vibratório, dos astros, do cosmos que a circunda, e que esta dança de partículas é uma das, se não a grande agenciadora de corpos, de formas, de tudo que vemos, tocamos, sentimos, de toda presença humana, inumana, territorial. As ondas que vibram, formam. E o som que resulta dessas ondas, se acusa como causa.

Não logramos ver, mas ouvimos uma ilha se formar. Distante, para além do alcance dos ouvidos, foi possível perceber a sobreposição de substrato, a delimitação de fronteiras que emergem da água, ou que se deslocam da costa: o craquear das rochas que ora acumulavam-se em graves batuques, ora desmanchavam-se em zumbido agudo transformando-se em areia fina. A ilha, revelada pela escuta, agora ocupa a vista. Chama a atenção dos marinheiros, dos pescadores que por ali circulam com seus silenciosos barcos à taquara. A notícia se espalha, a mídia toma conta.

Uma ilha que surgiu através do som? Mas que som é esse?  Talvez o som da cidade que incide nos corpos d'agua, essa paisagem pós-industrial que preenche todos os silêncios do tempo, que produz incessantes massas acústicas que se proliferam pelo ar. Não o som que eclode de dentro da Terra, pois esse ninguém consegue perceber. Mas a causa mais direta que afeta nossos tímpanos, que as vezes inclusive nos deixa surdo, com dor de cabeça, delirante. Os sons da cidade que formaram uma ilha. Mas que ilha é essa? Qual sua forma? Como ela se revela? 

É a partir dessa narrativa ficcional que a instalação "Ilha Sonora" toma forma, tratando da possiblidade do som como criador de territórios para além daqueles percebidos pela sociedade. O projeto baseia-se na premissa do movimento das ondas sonoras como agenciador de estruturas matéricas, onde a frequência e a vibração variam em sua função organizadora e ao mesmo tempo caótica, instaurando territórios mutáveis, em constante desconstrução e movimento.

A Ilha Sonora vem a ser esse lugar de reterritório, ao deslocar-se no tempo presente do conhecimento possível, e ao propor uma outra percepção do espaço urbano, do que nos rodeia, e das consequências do som na paisagem e na geografia. Sua constante mutação desenvolve-se também no espaço expositivo, dado o improvisado deslocamento dos resíduos de sua formação regido pela participação do público ao alterar as frequências da paisagem sonora. É o sonar urbano, os ruídos que desdobram a vista, que são percebidos aqui como agenciadores de territórios, como criadores de fronteiras, tensionando as políticas de encontro do eu com o outro, com aquele que, por não vermos, geralmente nos passa despercebido. Aqui instala-se também um questionamento subjetivo, provocando, através da ficção, um diálogo com o possível, com o alterno, com aquilo que só se pode ver através da escuta preocupada, expandida. O som atua como agente produtor, não só de Ilhas, mas também de sujeitos e relações. É esta negociação de corpos, fronteiras e territórios que a instalação "Ilha Sonora" busca provocar: oceânica ou continental, a ilha que surge do invisível e que se torna visível na presença de um acúmulo estranho de terra que agora habita o espaço comum. 

Este trabalho foi apresentado no 3 Prêmio de Arte Contemporânea da Aliança Francesa e na exposição CoMciência: Arte, Ciência e Tecnologia.

The installation "Sound Island" deals with fiction about the possibility of sound as the creator of territories beyond those visible and perceived by society. The project is based on the premise of the movement of sound waves as an agent of material structures, where frequency and vibration vary in their organizing and at the same time chaotic function.

In this way, the fiction about the Sound Island is based on the assertion that the sounds of the city (those considered harmful to the population, such as stone crushers, trucks, or the shouts of street vendors in the center of Porto Alegre) with time, started to influence in the geography of the Guaíba River estuary, and due to the variation of frequencies, intensities, and heights, these sounds eventually began to interfere directly in the soil, moving sediments and generating an accumulating large enough to culminate in the emergence of a new island - imaginary, invisible, or yet, never seen.

To create this dimension of the possibility, the installation has two "sectors": an interactive object, called "How to make an Island", where the public can perceive the formative dimensions of sound, and see with their own eyes the movement generated by frequency and velocity of sounds, and a set of documents, photographs, and data arranged on a wall, where the narrative of the research on the emergence of the island will be drawn.

The Island, in fact, is in constant mutation and agency, in the middle of the exhibition space. The improvised displacement of the remnants of its formation, beyond its invisible geographic location, is what matters to the artist: the fictional narrative created about a sound island suggests nothing more to the public than another dimension of time-space in relation to sound, and what it is producing, daily and materially, beyond our perception. There is an ironic paradox: at the same time that the sounds (considered harmful and that compose a list of noise to be reduced in the city) cause discomfort in the experience of the street, they are imported into the exhibition space as producers of matter. A legitimation imposed on such sounds is thus created which tenses the relation of the ear of the other and, consequently, the way each one faces these noises. The work seeks to create this dialogue between sound and the city, placing in the hands of the public the power to create a territory that is doomed to oblivion, and which, in a collaborative way, it’s reformulating itself through each possible sound transition created.

Projeto Expográfio
Montagem Ilha Sonora no Prêmio de Arte Contemporânea da Aliança Francesa 2019, Paço da Prefetura de Porto Alegre
Registros da expedição à Ilha Sonora
Montagem Ilha Sonora no Prêmio de Arte Contemporânea da Aliança Francesa 2019, Paço da Prefetura de Porto Alegre
Montagem Ilha Sonora no Prêmio de Arte Contemporânea da Aliança Francesa 2019, Paço da Prefetura de Porto Alegre
Montagem Ilha Sonora no Prêmio de Arte Contemporânea da Aliança Francesa 2019, Paço da Prefetura de Porto Alegre
Registros da expedição à Ilha Sonora
Montagem Ilha Sonora no NIME 2019, Centro Cutural da UFRGS
Registros da expedição à Ilha Sonora
Objeto finalizado. Execução de Mateus Winkelmann.
Montagem Ilha Sonora no NIME 2019, Centro Cutural da UFRGS
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